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terça-feira, 20 de março de 2018

CRISTALIZAÇÃO DO MEL

Bem...pretendo com o texto abaixo tentar explicar a química do mel.
Apesar de criar abelhas meliponas, e o mel diferenciado delas ser o objetivo de tanta dedicação, não só minha, mas acredito da maioria dos meliponicultores, a química do mel tem sido um tema intrigante de compreender, pelo menos para mim. Uns dizem que mel não cristaliza, outros que cristaliza. Cor clara é melhor, ou escura? Ácido ou doce – aquece no sol para descristalizar ou em banho maria? Para mim, o assunto quanto mais explorado mais perguntas surgem. Assemelha-se a um labirinto em que as respostas às dúvidas tomam um rumo que no fim não tem saída, ou clareza.

Então depois de muito buscar respostas venho tentar expor os caminhos por onde já trilhei, e o que eles revelaram.

Tenho que deixar claro, que química não é minha especialidade, então vou tentar, apenas tentar, transcrever de modo gradual de dificuldade, e da maneira mais clara que conseguir, as respostas que obtive as minhas dúvidas. E também revelar algumas curiosidades que descobri nesta minha peregrinação por respostas.
Primeiro devemos entender que açúcar é um termo genérico, originado do árabe as-sukkar, significa similar ao grão de areia. Porém o termo foi emprestado para descrever diversos compostos químicos que adoçam. O termo popularizou e acabou sendo usado como denominação de diversas estruturas químicas diferentes. Cadeias de carbono abertas ou fechadas, simples ou compostas, com nomes químicos específicos, sendo todas elas chamadas carinhosamente de açúcar. Então temos por exemplo: sacarose; glicose; frutose; lactose; maltose; ribose; melitose; celobiose; gentiobiose; palatinose; nigerose; panose; rafinose; teanderose; turanose e muitos outros.
A história ensina que por ser um produto raro, o açúcar (de cana) era utilizado como remédio para várias maleitas - qualquer doença pouco grave - e na cozinha servia para temperar o amargo e o ácido de certos alimentos. Mas entre a grande maioria o que realmente era difundido como adoçante era o mel e o arrobe – mosto de uva concentrado.

A Cana de Açúcar (Saccharum officinarum) é uma gramínea originária da China, chegou na Índia 350aC, onde criaram as primeiras técnicas para tornar portátil o seu suco adocicado, ganhando status de uma especiaria doce. Os soldados de Alexandre o Grande trouxeram aquele “pó de mel” para a Europa. Mas Saccharum officinarum só resistiu como cultura no clima da Peninsula Ibérica. De lá ganhou as Américas e África nas viagens dos grandes navegadores.

Al-Aldaluz (Peninsula Ibérica) foi a primeira zona europeia a receber a cana de açúcar em 755, aclimatada em Ceuta e no Suez marroquino desde o século XII, mas devido ao sucesso a produção não foi suficiente, e recorria-se à importação do Oriente, tornando-se uma moeda forte.
Mas vamos focar o mel, mais antigo adoçante. Podemos inicialmente definí-lo como uma solução aquosa supersaturada de “açúcares”, que ainda contém vitaminas, ácidos e enzimas provenientes das abelhas, minerais, aminoácidos, substâncias aromáticas e grãos de pólen dos vegetais. O mais antigo adoçante da humanidade, encontrado pela "grande dama do mel” Eva Crane, que revela em seu livro “Honey, a Comprehensive Survey”, que os sumérios na Mesopotâmia por volta de 5000 a.C. já usavam o mel como fonte de alimento e remédio. Eva Crane também registrou que potes de mel com conteúdos intactos foram encontrados em escavações nas tumbas egípcias de New Kingdom, construídas há cerca de 3400 anos.
O mel é originado do néctar das flores, mas também pode ser originado do orvalho sobre os vegetais, da transpiração dos vegetais, das secreções de folhas ou frutos de certas plantas, excreções de insetos sugadores de plantas como as cochonilhas (muito frequentemente nos Alpes Europeus- mel de melato) e substâncias doces diversas (bagaço de cana-de-açúcar e frutas), restos de refrigerante no lixo humano também.
A solução supersaturada de “açúcares”, referida acima como composição do mel, é constituída grande parte por dois monossacarídeos, especificamente a glicose e a frutose e uma menor porção de um “açúcar” dissacarídeo – a sacarose.

A glicose e a frutose são “açucares” monossacarídeos que apresentam propriedades e características diferentes entre si, e os dois compõem aproximadamente 80% do mel. A percentagem destes dois monossacarídeos geralmente varia em torno da metade de cada, deste total de 80%, e podem ser considerados como um tipo de “açúcar invertido”. Conforme haja predominância de mais glicose ou de mais frutose na composição, as características físico-químicas da porção predominante também vão influenciar as características e comportamento do mel.
Todos os méis são líquidos viscosos quando produzidos pelas abelhas e enquanto permanecerem dentro da colmeia.

Mas devemos sempre lembrar que o mel é uma solução supersaturada, e toda solução supersaturada encontra-se instável por definição. O soluto encontra-se além do limite suportado pelo solvente, ou seja em desequilíbrio, pela atuação de algum agente. Enquanto o mel estiver armazenado dentro da colmeia a uma temperatura média na faixa de 30ºC a 37°C, permanecerá em estado líquido viscoso. Porém quando fora do seu ambiente original, a solução supersaturada buscará seu equilíbrio, especialmente em temperaturas abaixo das temperaturas médias originais, e por isso tendem a cristalizar espontaneamente, fenômeno esse que reduz a supersaturação da solução, mas que não altera os componentes do mel, e portanto não alteram suas qualidades e propriedades.
A natureza sempre busca a estabilidade. O mel quando retirado do seu meio natural, como disse acima, em algum momento pode retornar à estabilidade por meio da cristalização dos seus componentes que estavam em estado supersaturado. O agente que mais contribui na sustentação da supersaturação geralmente é a temperatura, principalmente dentro do enxame, mas não é o único!

Assim todo mel cristaliza em algum momento quando fora da colmeia. E isto ocorre com a perda de água por parte da glicose, que se transforma em “monoidrato de glicose” e toma a forma de cristal.

O processo de cristalização pode ser acelerado pela presença de uma “semente” dentro da solução supersaturada. Para os leigos, a “semente” aqui referida por químicos, nada mais é do que qualquer coisa que esteja mergulhada na solução supersaturada. A “semente” este componente estranho a solução ajuda pelo menos uma das moléculas do soluto a retornar ao seu estado natural. De alguma forma cede algum tipo de energia a uma molécula do soluto de modo que ela rompa a pouca instabilidade que a fazia se agregar ao solvente, facilitando o retorno ao seu estado de equilíbrio natural, no nosso caso um cristal sólido.

Assim são consideradas como sementes capazes de “ajudar” o início da cristalização do mel, a presença de grãos de pólen, micro pedaços de sujidades como cera ou partes de alguma abelha, até bolhas de ar podem servir como “sementes”! Além claro, da própria redução da temperatura ambiente, reduzindo consequentemente a energia agregante inicial do solvente.

Desde que ocorra a formação de um primeiro cristal na solução, a energia desta reação molecular inicia um desencadeamento exponencial do processo de cristalização por toda a solução.

Há uma pesquisa no Canadá, baseada em 95 amostras de mel, que aponta e defende as “sementes” como as únicas influências no processo de início da cristalização do mel...
Baseados nestas informações é que grandes entrepostos de mel costumam fazer ultrafiltrações no mel, para retirar qualquer presença de pólen, e assim garantir que o mel se mantenha mais tempo no estado líquido/viscoso na prateleira. Mas a falta da presença do pólen no mel comercial filtrado dificulta rastrear sua origem e atestar sua idoneidade. Na minha opinião tirar o pólen do mel já começa a afetar as suas qualidades. Prefiro que o mel cristalize!
No entanto há observações que não são só as “sementes” que podem acelerar a cristalização do mel. Outras substâncias podem alterar a velocidade de cristalização do mel. No caso do mel da flor de nabo forrageiro, do capixingui e bracatinga, o processo de cristalização inicia-se com muita facilidade e desenvolve-se de maneira rápida. Não achei o motivo, mas com certeza é devido a alguma das substâncias derivadas do vegetal, alguma vitamina, resina, hormônio que de certa forma podem alterar os balanços energéticos entre as moléculas do glicose e a água.
Em outros méis o processo de cristalização é naturalmente mais lento, como o mel de assapeixe, cambará, marmeleiro, vassourinha. Há casos observados e catalogados de que méis derivados de néctar com alto teor de frutose, poderão levar mais de 12 meses para iniciar a cristalização, é o caso do mel de laranjeira. A frutose é mais higroscópica (atrai mais a água) do que a glicose.

Um néctar diferenciado é o da espécie vegetal Iguaçu Sclerolobium sp (da família da Caesalpinaceae), tende a deixar o mel muito coeso/viscoso, gerando longos fios ao ser puxado. – Nomes populares: (taxi branco, ajusta contas, angá, arapaçu, cachamorra, cangalheiro, carvão de ferreiro, carvoeira, carvoeiro do cerrado, jacarandá canzil, mandinga, paáariúva, passuaré, pau pombo, taxi branco de terra firme, taxi branco do flanco, taxi pitomba, taxirana, taxirana do cerrado, taxizeiro branco, tinguizão velame, tinguizão veludo)
Uma curiosidade que achei interessante sobre a influência da temperatura no processo de cristalização do mel, é que existe uma faixa de temperatura ótima para iniciar. “Temperaturas entre 10ºC e 18ºC favorecem a cristalização, sendo 14ºC a temperatura ótima e abaixo de 10ºC o processo é retardado pelo aumento da viscosidade da solução, reduzindo a mobilidade dos núcleos de cristalização (EMBRAPA, 2006). Abaixo de 5ºC e acima de 25ºC o mel não cristaliza.” Isso pode explicar a resistência dos enxames de apis europeias ao inverno europeu! Fantástica esta informação!!

Não sei se este dado é verdadeiro para o mel de Meliponini, acredito que não seja, uma vez que seu teor de água é de 25% a 34%. 
Também é fantástico não termos esses dados tabelados de forma oficial sobre méis nativos, visto que fazem parte da nossa cultura desde antes dos navegadores europeus chegarem...
Agora vamos entender o processo de formação do mel!

Porém antes devemos entender com mais detalhes o que é mel.

O mel deriva do néctar das plantas, que por sua vez é uma mistura de vários “açúcares” diferentes, proteínas, hormônios, minerais e outros compostos, em uma solução aquosa. Em todo néctar o “açúcar” predominante é a sacarose.

E a sacarose é um dissacarídeo formado por dois açúcares simples (monossacarídeos): glicose e frutose.
80% do mel é composto por glicose e frutose, que foram originadas da quebra da sacarose do néctar, e este trabalho de quebra de um dissacarídeo em dois monossacarídeos é feito pela abelha. Não se pode esquecer que apesar da glicose e frutose representarem até aproximadamente 80% do total do mel, ainda são encontradas uma variedade de outras substâncias que estavam no néctar: outros tipos de “açucares”, vitaminas, ácidos, diversos minerais, substâncias aromáticas, leveduras, hormônios, aminoácidos e grãos de pólen dos vegetais. E todos estes componentes tem proporções e variedade associadas a cada espécie de flor visitada.

Cada espécie de abelha realiza a quebra da sacarose, processo conhecido pelos químicos como hidrólise, acrescentando uma enzima conhecida por invertase. Além da invertase, ainda há amilase e a glicose-oxidase, e não podemos esquecer que cada espécie de abelha também acrescenta outras substâncias características da sua própria espécie, dando um sabor e uma característica toda especial. 
É como se fosse um grande concurso de chefs Gourmet: cozinha Brasileira, Alemã, Francesa, Italiana, Australiana. Cada Chef usando suas técnicas e temperos secretos, e a despensa delas, este mundão de flores!! 
Cada prato uma arte única!
Então fazer mel é como cozinhar uma doce sobremesa com muitos ingredientes diferentes. Os ingredientes que estiverem disponíveis na sua geladeira ou despensa, acrescentando o tempero e técnica especial de cada Chef!!

Assim como nas grandes receitas de queijos, vinhos, podemos também dizer que a cada composição de solo, ou a cada clima diferenciado, que interagem com as abelhas e as flores forrageadas, dará origem a um mel único!
Voltando a composição do mel, para tentar entendê-lo melhor pela visão química. 
Para que o mel apresente-se como uma solução em estado liquido/viscoso, moléculas de água permanecem ligadas aos “açúcares”, principalmente por pontes de hidrogênio. No mel líquido/viscoso, a glicose da sacarose encontra-se ligada a cinco moléculas de água e a frutose da sacarose encontra-se ligada a três moléculas de água.
A sacarose do mel é exatamente a mesma sacarose que encontramos no açúcar da cozinha, ou mesa de café.

Então podemos deduzir que são as diferentes substâncias carreadas pelo néctar, proveniente de cada flor e que continuam no mel, um dos motivos da existência de uma variedade muito grande de tipos de méis.

Já a sacarose do açucareiro tem um sabor e características padrões, pois é originada específica e unicamente da cana de açúcar ou da beterraba açucareira. Sofrem processos de clareamento e/ou purificação, seguido de desidratação, resultando em uma série de tipos de açúcares basicamente homogêneos e padronizados em categorias. Então pode-se ter Açúcar bruto obtido por clarificação do caldo de cana-de-açúcar, sem uso de enxofre. Açúcar cristal obtido por cristalização controlada do caldo de cana tratado utilizando sulfitação e caleagem. O açúcar refinado obtido por um processo de refino do açúcar cristal. Açúcar líquido invertido obtido por hidrólise ácida controlada, resultando em uma mistura de glicose, frutose e sacarose, com cerca de 76% de sólidos solúveis. Açúcar mascavo proveniente do caldo da cana não submetido a tratamento de clarificação.
Temos que fazer mais algumas diferenciações entre o mel e outro tipo de açúcar: o “açúcar invertido”, que eu já citei mais acima. “Açúcar Invertido” é aquela calda viscosa, melada que varia do incolor ao tom de caramelo, e é usada para fazer doces, recheios e outros quitutes culinários atuais.

O açúcar invertido é uma calda viscosa composta de glicose+frutose em estado apurado, podendo ter alguma sacarose. 
O mel também é composto por (sacarose+glicose+frutose) tal qual o “açúcar invertido”. Eu arriscaria dizer que quimicamente o mel pode ser considerado um tipo de “açúcar invertido” composto.

Estou falando em “açúcar invertido” mas não expliquei. Então vamos lá.

A glicose e a frutose também podem ser referidas como dextrose e levulose, respectivamente. Estes dois açúcares são realmente os mesmos isómeros estruturais, pois eles têm a mesma fórmula química. Os nomes 'dextrose' e 'levulose' referem-se ao seu efeito sobre a luz polarizada no plano. Devido à diferença na disposição dos átomos, a dextrose gira a luz polarizada no plano para a direita, enquanto o levulose gira para a esquerda. Os prefixos 'dextro-' e 'levulo-' vêm do latim para direita e esquerda, respectivamente. O “açúcar invertido” tem muita frutose em sua composição, o que faz ter uma refração, quando testado com luz polarizada, mais a esquerda do que a solução de sacarose simples (água + “açúcar” de mesa). Por isso “açúcar invertido!

Voltando ao mel, os 80% da sua composição de “açucares” (sacarose+glicose+frutose) tem a mesma composição (sacarose+glicose+frutose) do “açúcar invertido”. Comparando apenas pelos nomes (sacarose+glicose+frutose) são os mesmos “açucares”. No entanto, porém, todavia .... os componentes (sacarose+glicose+frutose) do mel apresentam a cadeia estrutural das suas moléculas morfologicamente diferente da estrutura das cadeias de sacarose+glicose+frutose do xarope de “açúcar invertido”. 
É exatamente esta diferença estrutural que ajuda a acarretar uma diferença físico-química entre os dois. Dentre as diferenças físico-químicas mais marcantes é que o açúcar líquido invertido é mais higroscópico, absorve mais água. Já o mel sabemos que se derramado em um copo de água pemanecerá coeso por muito tempo até iniciar sua dissolução.
Voltando ao nosso mel. 
Já sabemos que dependendo do tipo de néctar que as abelhas tenham coletado com substâncias aromáticas específicas de cada espécie vegetal, haverá um reflexo na composição final do mel, alterando sabor, aroma, cor, textura, enfim as suas propriedades físicas, químicas, terapêuticas e organolépticas.

A abelha é o Chef deste Amuse-bouche (especialidade) de méis. Como a principal protagonista na mágica transformação entre o néctar e o mel, cada espécie de abelha, acrescenta suas enzimas características da espécie à composição do mel.

Para sua elaboração, um grupo de abelhas campeiras vai coletar o néctar das flores, e o transportam armazenado em um estômago, distinto do estômago normal (vesícula melífera). Aquelas enzimas específicas, já citadas, são então misturadas com o néctar; estas enzimas iniciam a degradação da sacarose do néctar em açúcares mais simples.

Para entendermos o processo de degradação da sacarose realizado pela abelha, vamos fazer um parênteses para entender melhor a sacarose.

A sacarose é um dissacarídeo; na verdade, consiste em dois açúcares mais simples diferentes, glicose e frutose, unidos. No estômago da abelha, as moléculas de sacarose são gradualmente divididas por enzimas invertase de cada espécie de abelha em glicose e frutose.

Sobre a glicose e frutose vamos simplificar os conceitos de cada molécula. Pode-se dizer que a frutose tem maior poder de adoçar, sendo o composto mais doce entre os carboidratos que ocorrem naturalmente. A frutose também é considerada como o açúcar mais solúvel em água (maior higroscopia) e portanto apresenta menor capacidade de se cristalizar. A frutose liberada encontra-se ligada a três moléculas de água.
 Já a glicose, por ser naturalmente um cristal, tem maior facilidade de se cristalizar quando presente em uma solução saturada (menos higroscopia), tendendo a retornar a sua estrutura cristalina inicial. A capacidade de solubilidade da frutose, em água a 20ºC, é quase o dobro da glicose. A glicose liberada encontra-se ligada a apenas uma molécula de água.
De volta a colmeia a abelha campeira regurgitará a solução de néctar, já em processo de quebra de moléculas, entregando para uma das abelhas operárias, que permaneceram na colmeia executando suas tarefas internas. Então a abelha operária continuará o processo iniciado pela abelha campeira - por até 20 minutos, continuando a misturá-la com mais enzimas e quebrando-a ainda mais.
Uma pequena percentagem de sacarose resistirá ao processo de quebra, mas a maioria é dividida em glicose e frutose.
Uma vez que o processo de quebra tenha alcançado sua capacidade máxima dentro da vesícula melífera, a abelha operária deposita o néctar no favo. Nesta etapa a solução pode ter até 70% de água. 
Então em seguida, outro passo importante no processo começa. 
O excesso de água deve ser evaporado para produzir a consistência/viscosidade do mel que todos nós conhecemos. As abelhas conseguem isso, ventilando o favo de mel com as suas asas, incentivando a rápida evaporação da água da solução. O teor de água da solução cairá para cerca de 17% a 20%, muito menor do néctar original.

A conversão do néctar aquoso para mel denso leva entre 1-3 dias.

Não podemos esquecer que mesmo depois de operculado o favo ou pote de mel, o processo de invertase e outros mais perduram por mais um tempo variável. É o amadurecimento do mel. Este tempo tem grande influência no sabor final do mel, bem como de suas características químicas. Como um bom queijo ou vinho, aguardar o término deste processo pode trazer grandes surpresas organolépticas, e diferenciar sua valorização no mercado.
O teor de água do mel é um dos fatores chaves de não estragar o mel de Apis Melífera.

Com uma taxa de 17% a 20% de umidade, o teor de água da solução é muito inferior ao do corpo das bactérias ou fungos presentes no composto. E assim como ocorre com as pessoas que vivem em locais muito seco, a vida costuma ser penosa ou até impossível, devido à rápida desidratação das mucosas. Para as bactérias e fungos isso é fatal. E assim a maioria das bactérias e fungos perdem sua capacidade de atuação.

Considerando uma escala de “0 a 1” para a necessidade de água mínima capaz de sustentar a atividade da maioria das bactérias, 0,75 de água é o valor mínimo necessário, e o mel tem um teor médio de umidade de 0,6.
Outro fator que ajuda o mel de Apis a evitar ataques de bactérias é a sua acidez. Seu pH médio é de cerca de 4; Essa acidez origina de uma série de ácidos, incluindo ácido fórmico e ácido cítrico, mas o ácido dominante é ácido glucônico, produzido pela ação de enzimas abelhas em algumas moléculas de glicose no mel. A maioria das bactérias prosperam em condições pelo menos neutras e não ácidas.

O peróxido de hidrogênio (Água Oxigenada - inibina) também é outro componente originado no processo de quebra das moléculas, produzido pela produção de ácido glucônico - isso também pode inibir o crescimento de bactérias.

Todas estas propriedades antibacterianas do mel de Apis são realmente potentes, e ajudam na aplicação tópica, como um curativo improvisado para feridas.
Cabe ressaltar aqui que os Meliponini (meliponas e trigonas) realizam exatamente o mesmo processo acima explicado para a produção de mel, no entanto diferentemente das abelhas apis melíferas, ao final do processo o mel apresenta geralmente teores de umidade próximos dos 25%. E mesmo assim o mel enquanto armazenados em seus potes originais, permanecem íntegros!

Retomando ao assunto da cristalização do mel, mas agora sobre os méis de Meliponini, deve ficar salientado que até estes méis, mais úmidos também cristalizam. É surpreendente pensar que tudo acima exposto sobre soluções supersaturadas, composições químicas, cristalizações foi retirado de textos e pesquisas maciçamente baseados em mel de Apis Melífera.
Os méis nativos de Meliponini também cristalizam em uma consistência semelhante a uma finíssima geléia, uma Mousse à la Crème quando submetidos a temperaturas mais baixas ... Esses doces patês, de méis nativos, apresentam sabores que explodem os sentidos! Sós ou acompanhados são um show a parte!

Na minha opinião caberiam muitas pesquisas em relação à cristalização do mel de meliponini, principalmente devido ao poder de conservação/preservação dentro do enxame, mesmo com sua alta taxa de umidade!! 
Será que todos estes conhecimentos do Mel de Apis Melífera se aplicam na mesma proporção ao mel de meliponini? O que diferencia? 
As pesquisas que encontro com maiores quantidades de amostras de mel são sempre amostras de mel de apis melífera, de diferentes espécies e regiões do planeta. Não encontrei respostas no mesmo nível de pesquisa para os méis de meliponini...

Podemos de antemão perceber que diferentemente do favo de mel das apis melíferas, o pote de mel dos meliponini são elaborados com cera composta com muitas resinas vegetais e outras substâncias segregadas pelas abelhas, o que determina a cor mais escura deste invólucro em relação ao favo de mel de apis. Certamente influencia na conservação do mel com a taxa de umidade maior, visto que estas resinas são as mesmas que originam a própolis. 
Enzimas e princípios antibióticos e flavonoides já foram isolados na composição de alguns méis de abelhas nativas por alguns pesquisadores brasileiros, e com certeza estas substâncias também têm grande contribuição na capacidade de conservação destes méis no enxame.
As qualidades terapêuticas do mel devido a presença dos antibióticos e flavonoides é um assunto extremamente longo, e não é meu foco no momento. Só para se ter uma ideia, o mais antigo documento da medicina egípcia é um velho papiro de 3500 a.C. chamado “Livro de preparação de medicamentos para todas as partes do corpo humano” (IORICH, 1981 apud STONOGA, 1990), onde o mel era incluído na maioria das preparações medicamentosas.

Se para o mel de apis melífera já existia tantas considerações no uso terapêutico do mel, muito mais relevante este assunto será quando focarmos os méis de meliponini. Vários trabalhos já começam a revelar diferenciais em relação ao mel de apis. Mas este assunto já foi abordado anteriormente. Pode-se ver algo sobre este assunto no atalho a seguir:


Ainda sobre a cristalização, pode-se dizer que especialmente no mercado nacional, a maioria da população desconhece que mel cristalizado necessariamente não significa ser mel adulterado com xaropes de “açucares”. Este desconhecimento é muito conveniente para a indústria, pois podem importar e mesclar méis ultrafiltrados de várias partes do planeta, impondo um padrão de sabor. Os pequenos produtores deveriam ter a obrigação de dominar estas informações, bem como difundí-las entre seus clientes, para o bem e valorização da rede dos produtores familiares.
Os grandes entrepostos ao invés de investir em conscientização, aposta em soluções para manter o mel líquido/viscoso na prateleira por mais tempo, e “agradar” a população.
Já falamos da filtragem, retiram sujeiras e todo o pólen do mel, com o fim de evitar a cristalização.
O processamento do mel comercial antes de chegar nas prateleiras também pode incluir um aquecimento controlado para destruir leveduras e dissolver possíveis cristais de glicose da solução.
O mel é geralmente aquecido a uma temperatura de 45ºC para desativar a enzima invertase, e reduzir a viscosidade. Outros processos elevam a temperatura do mel entre 50ºC a 60ºC por poucos minutos, resfriando rapidamente.

Por outro lado, como já vimos anteriormente a glicose se cristaliza com facilidade, então mel cristalizado também pode estar falsificado com dose de xarope de glicose comercial. 
Encontrei literatura que afirma que mel puro se cristaliza gradativa e homogeneamente, e com uma aparência fina. Enquanto que os méis adulterados que sofrem uma cristalização, apresentam cristais grosseiros como açúcar cristal, e o processo ocorre não homogeneamente. 
Mas também não é 100% segura esta análise informal, devido às diversas substâncias naturais que podem contribuir para alterar a conformação e aspecto do cristal.
Vamos explorar um pouco mais a temperatura. Temperaturas elevadas afetam a enzima diástase (ou amilase) negativamente, devido ao seu alto grau de instabilidade à presença do calor. Seu grau de ausência detecta possíveis superaquecimentos do mel comercialmente vendido, ou adulteração com açúcar comercial a base de amido. 
Em temperaturas ambientes, a enzima diástase (amilase) pode vir a deteriorar-se quando o armazenamento for por tempo prolongado. Então também pode indicar um mel com muito tempo de colhido.

Hidroxi-metil-furfural, este palavrão também conhecido por HMF – associado diretamente a ausência da atividade da enzima diástase. Até na estocagem, em temperaturas acima de 30º C, por períodos superiores a seis meses levam ao desdobramento da frutose do mel em uma molécula de hidroxi metil furfural e três moléculas de água, fazendo com que esse mel fique com uma camada superficial líquida e escurecida.

O que achei muito assustador foi que em pesquisas realizadas na UFSM fornecendo esse líquido escurecido para as abelhas provocou a morte de 100% dos enxames (TOMASELLI, 1999). E em ratos foi determinada como DL50 (dose letal capaz de matar 50% da população testada) por via oral doses de 3,1 g HMF/kg de peso. (LOUISE et al., 2009)

Mas não é só a temperatura que influencia no teor de HMF, “uso de embalagens metálicas para o mel e propriedades químicas como pH, acidez total e conteúdo mineral do mel” também fazem diferença. (FALLICO et al., 2004). A legislação brasileira permite o máximo de 60mg/kg, a européia o máximo de 40mg/kg, abrindo exceção de 80mg/kg para méis de países tropicais.

Manter o volume do mel processado em constante movimento durante a etapa de aquecimento controlado é imprescindível para evitar sobre aquecimento localizado, devido a alta viscosidade do mel bruto que dificulta a convecção do calor em seu volume total, zonas isoladas próximas a superfície de aquecimento acabam superaquecendo. Nem sempre este parâmetro é respeitado na indústria nacional, que costumam manter latões (geralmente de metal) de mel bruto em sala aquecida por períodos longos.

Aqui cabe uma curiosidade: HMF em méis de meliponineos mesmo aquecido é baixo, não chegando a 20% do valor permitido. 

Detectar adulteração de mel é uma tarefa complexa, e requer testes sucessivos que na verdade vão eliminando possibilidades, e aumentando/atestando a probabilidade de sua pureza e/ou qualidade. A tabela abaixo demonstra a aplicação de uma série de testes em 20 amostras de mel, para alcançar um resultado, que poderia não ser suficiente.

A adulteração no mel, infelizmente, é um problema mundial e muito difícil de ser detectado à primeira vista. Acredito que a dificuldade reside na composição básica do mel e do açúcar invertido serem quimicamente a mesma, apenas com diferenças estruturais. Como já foi exposto no decorrer do texto, grandes entrepostos costumam realizar ultrafiltrações no mel, e/ou expor a um tratamento térmico controlado. Só estes dois procedimentos já invalidam alguns testes “caseiros”. 
Os méis submetidos a esses tratamentos podem não ter a mesma qualidade do mel “integral”, cru ou em estado natural, mas não os classificam como falsificados. 
Não é o mel que eu escolheria, apesar de poder ser chamado de “puro”, eu diria que poderiam ser denominados méis “incompletos”.
O problema é tão grave que é possível adulterar o mel na sua própria origem. 
Alimentar um enxame com xarope de "açúcar" para aumentar a produção é uma modalidade perversa de adulteração do mel, e bem diverso do manejo de inverno. 
A abelha campeira irá coletar os “açúcares”, adicionar suas enzimas, repassar para abelha operária, que trabalhará a solução e a levará para o favo ou pote de mel. A solução amadurecerá sob a ação das enzimas das abelhas. Mas onde estão os pólens? E os sais minerais, resinas, hormônios, aminoácidos e outras tantas substâncias derivadas da fonte floral?
O mel até poderá ter um sabor característico da espécie de abelha que trabalhou o xarope, mas é mel?
Você poderá ver o produtor des-opercular o favo e centrifugar na sua frente, mas é mel?
É ético?

Por outro lado, podemos ter um mel cuja origem não é do néctar, e sim de sumos de frutas, ou de secreções de outros insetos. Também não será possível encontrar abundância de pólen nestas amostras. Mas não deixa de ser uma variedade de mel obtido de recursos naturais, com base em "açúcares", porém bem diferente do exemplo de adulteração acima. 

Resumindo:
Ciente de todas as possibilidades de origem do mel, das possibilidades de processamento do mel e possibilidades de adulteração do mel, podemos concluir que um simples teste caseiro não basta para determinar a qualidade e idoneidade do mel.

Mesmo assim selecionei algumas dicas comuns na literatura popular que podem indicar a adulteração do mel. Lembrando que mesmo para estes testes caseiros, precisa-se submeter a amostra a um conjunto de testes, só assim pode-se ter uma ideia se é ou não adulterado, dificilmente certeza !

- Experimente o seu mel. Se você pode perceber coisas como flores ou ervas é um indício positivo. Um bom mel também pode apresentar até para o leigo um sabor diferenciado, com notas de madeira, floral ou alguma outra que indique pelo menos a presença de substâncias derivadas do néctar. Mas não se esqueça que aromas naturais, artificias ou corantes podem enganar!
- Coloque uma pequena gota de seu mel no seu polegar. Se ele se espalhar, não é puro, pois o puro mel permanecerá concentrado.
- Adicione algumas gotas de vinagre em uma mistura de água e mel. Se estiver espumante, seu mel foi adulterado.
- Se o seu mel não "cristalizar" ao longo do tempo, ou na geladeira, é provável que seja ultrafiltrado, mas pode ter levado uma dose de frutose comercial, ou superaquecido.
- Misture uma porção de mel e duas de álcool, o adulterado se dissolverá mais rapidamente.
- Adicione algumas gotas de iodo a um copo de água e adicione um pouco de mel. Se o seu mel ficar escuro, foi combinado com amido de milho.
- Coloque um pouco de mel no final de um pavio ou fósforo e acenda-o. Se ele acender, melhoram as possibilidades de ser puro.
- Uma porção de mel puro sobre papel absorvente, não irá molhar o papel. 
- Coloque uma colher de mel num copo de água. Se dissolver é falso. O mel puro não se dissolve fácil na água e vai afundar no fundo do copo.
- Adulterar ou vender mel adulterado é um crime contra a economia popular, tipificado pela Lei nº 1.521 de 1951 - Art 2º  § V !!!
Não tenha preconceito de méis cristalizados, apesar de não ser garantia total de bons antecedentes, aumenta muito a margem de segurança!!!

Mas na verdade concluo que atestar a pureza do mel é uma tarefa muito difícil, seja ele de apis ou de meliponini, pois o volume de variáveis que podem influenciar nos resultados dos testes, sejam eles populares ou técnicos, é muito grande.
Duas formas de se conhecer a autenticidade do seu mel são através de análise séria em laboratório especializado ou conhecer a idoneidade e ética do produtor.

Também concluo que o fato das pessoas preferirem o mel no estado líquido/viscoso é muito conveniente para fornecedores não idôneos. Pois as técnicas que são utilizadas pela indústria para aumentar o tempo de prateleira do mel em estado líquido/viscoso (ultrafiltração/aquecimento), agrandando o público, acabam gerando um produto em que são necessários testes laboratoriais cada vez mais apurados, para conseguir diferenciar os méis puros e processados dos méis adulterados.
Essa rejeição nacional pelos méis cristalizados facilita que pessoas de má fé se aproveitem para agir.
A atual preferência popular da apresentação do produto tem exigido a busca por novos parâmetros capazes de atestar o produto a ser oferecido no comércio.
Isto pode ser visto na reportagem apresentada na internet do programa Rotten (O Mel):


É possível notar que 90% das informações que coletei sobre propriedades do mel são referentes a pesquisas do mel de Apis melífera, e que nosso mel nativo está à margem destas pesquisas. Muitas informações são aplicáveis, mas dezenas não.

Com certeza para todos os parâmetros acima expostos e já exaustivamente pesquisados sobre o mel de apis, quando tentarem aplicar aos méis de meliponini, descobrirão que serão necessárias novas pesquisas, especificamente direcionadas para cada um dos tipos de méis das quase 400 espécies de abelhas nativas catalogadas.
Carecemos de um estudo muito mais profundo de nossos méis nativos, que definam e proponham os parâmetros particulares do produto nacional. 
Temos que reconhecer que há pesquisadores tentando mudar esta tendência, como Jerônimo Villas-Boas, com trabalhos como: Parâmetros físico-químicos propostos para controle de qualidade do mel de abelhas indígenas sem ferrão no Brasil.
É muito importante que mais pesquisadores se incentivem a pegar este rumo em suas pesquisas. A estrada é longa, e considerando as quase 400 espécies de abelhas nativas, há muito ainda por descobrir e reescrever para os méis meliponíneos.

A última conclusão que posso tirar disso tudo que pesquisei é que o mel integral (cru ou em estado natural) é o mais saudável e nutritivo. No entanto é também o mais difícil de achar no comércio.
Aconselharia ao produtor nacional de mel de apis melífera lutar. Mas não por maior volume de produção, mas por certificações que garantissem sua idoneidade para um produto integral, cru, natural, não filtrado, não aquecido, rastreável e portanto muito mais valorizado.
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Enquanto aqui no Brasil não pudermos dispor de uma solução a este nível, temos uma alternativa caseira. Basta seguir aquele velho ditado que diz que o gado só engorda na vista do dono. Então o bom mel é aquele produzido na vista do dono do enxame. 
E aqui entra a nossa imbatível meliponicultura. Qual a melhor maneira de você ter mel produzido embaixo do seu nariz e coletado por você sem roupas especiais? Quais abelhas que têm as caixas mais leves, pequenas e portáteis? Quais abelhas são inofensivas e podem conviver com crianças e animais próximos? Qual abelha pode se ter na janela ou varanda? Quais abelhas você pode coletar mel até com uma seringa, dispensando o uso de centrífugas?

Você responde !!!
  


Medina

Referências:
Dissertações 
The-Chemistry-of-Honey
O MEL E SUAS CARACTERÍSTICAS - Nivaldo César ALVIM
GLICÍDIOS NO MEL - Ricardo Felipe Alves Moreira
Avaliação da cristalização de mel utilizando parâmetros de cor e atividade de água
ESTUDO DA DESCRISTALIZAÇÃO TÉRMICA DO MEL SOB INFLUÊNCIA DA AGITAÇÃO - Vieira, Luana Reis
Parâmetros de avaliação da qualidade do mel e perceção do risco pelo consumidor
Determinação da qualidade do Mel - Garcia
Propriedades físicas e químicas do mel de Apis mellifera L. - Abadio
DETERMINAÇÃO DA AUTENTICIDADE DOS MÉIS VENDIDOS NAS FEIRAS LIVRES E COMÉRCIOS POPULARES 
HIDROXIMETILFURFURAL E ÍNDICE DE DIASTASE COMO INIDICADORES DE QUALIDADE DE MÉIS - Coringa E.
Páginas na Internet
http://honeypedia.info/honey-ingredients-a-comprehensive-list
http://honeypedia.info/acacia-honey

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