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domingo, 31 de agosto de 2014

ABELHAS NATIVAS, UMA SOLUÇÃO SEM PERSPECTIVA LEGAL



Atualmente as grandes economias mundiais buscam o desenvolvimento sustentável, mas o que vem a ser exatamente este conceito tão exposto na mídia?
“Entende-se por desenvolvimento sustentável aquele que procura satisfazer as necessidades das atuais gerações sem comprometer recursos destinados às futuras.” Nesse sentido todos devem ter a possibilidade de atingir níveis de desenvolvimento sócio-economico e cultural, primando pela racionalidade do correto emprego e devida preservação dos recursos da biosfera. — Essa definição surgiu na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas para discutir e propor meios de harmonizar dois objetivos: o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental.
 Hoje já ultrapassamos 7 bilhões de seres humanos sobre a Terra, e espera-se uma população de mais de 9 bilhões em 2050, consequentemente a pressão da necessidade alimentar também cresce no mesmo ritmo. Recursos como água, terras cultiváveis são cada vez mais valorizados. Segundo especialistas, a água poderá ser o pivô das próximas guerras. Mas na esteira da disponibilidade de água potável tem-se a disponibilidade de alimentos, e como todos já sabem desde os estudos primários, a base da cadeia alimentar de nosso planeta são os vegetais.
 Muito se fala em terras cultiváveis, investe-se milhões em tecnologia alimentar, sementes trangênicas de alta produtividade e resistência às pragas, adubos químicos, máquinas agrícolas com referenciamento por satélites, tecnologias de indução artificial de chuvas e/ou de irrigação forçada. No entanto, apesar de tanta tecnologia o mundo está começando a vislumbrar uma nova vertente de obstáculos até então não considerada: a redução e/ou desaparecimento dos polinizadores e principalmente dos polinizadores nativos.
Na maior parte das plantações comerciais espalhadas pelo mundo o foco desse problema tem se concentrado no fenômeno ainda não explicado do desaparecimento de enxames inteiros de APIS. No Brasil esta problemática do desaparecimento das APIS, apesar de significativa, ainda não sensibilizou as autoridades por um empenho maior em pesquisas sobre o tema. Mas..., porque a expectativa dessa problemática não tomou a mesma proporção em terras brasileiras tal como o temor verificado por governos de outros países? Talvez pela razão de que nossas plantações de modo geral continuam de vento em popa, com o nível de polinização ainda adequado. Como diz um velho ditado popular: não doeu no bolso!
 Na minha visão, a área de vegetação nativa existente no território nacional ainda é bem maior e significativa do que em países onde o fenômeno da falta de polinizadores tem sido acompanhado com maior intensidade. Acredito que nós brasileiros temos uma reserva biológica ainda intacta, da maior relevância, que se constitui num amortecedor de efeitos negativos registrados em outros continentes.
E porque esta reserva biológica pode influenciar a ponto de fazer a diferença no desempenho de nossas plantações comerciais? Não deve ser difícil de perceber o porquê, especialmente quando se verifica que o Brasil é habitat exclusivo de quase 100% das espécies conhecidas de melíponas, e também abriga mais uma centena de espécies de trigonas.
Tendemos então a conclusão quase imediata: Temos proteção Superior, nossa santa terra está protegida!! Brindemos às dádivas de Deus, por nos presentear com esta multiplicidade de abelhas nativas, eficientes polinizadoras!!
No entanto, apesar de sermos uma terra abençoada por Deus, as abelhas nativas não podem ser consideradas a solução definitiva, principalmente a longo prazo, à vista do tratamento legal a que sujeita seu trato....
 Lindas e mansas abelhas, naturalmente sem ferrão, donas do melhor mel do mundo, vivem em uma terra que pode ser considerada como encantada, no melhor estilo dos contos de fadas ...
Numa analogia lúdica, são terras que só os puros de coração conseguem enxergar, povoadas por “fadas da polinização”: como na “terra encantada” dos gnomos. Aqui no Brasil existem as “fadas da polinização” nativas das matas tropicais, as “fadas da polinização” nativas das matas equatoriais, as da caatinga, as do cerrado, das matas araucárias, das veredas, dos cocais, do pantanal, e muito mais. Cada família de fadas vive e cuida do seu mundo encantado particular. E neles protegem os animais, alimenta-os, e de quebra ignoram as fronteiras e jogam o mágico pólen de “piripimpim” nos arredores dos seus limites, fazendo as plantas explodirem em vida e frescor além das fronteiras de suas “terras encantadas”.
E como em todos os bons contos de fadas, nestas “terras encantadas” têm surgido “homens de negócios”, com alma enrijecida e quase cegos, que enxergam apenas um palmo de seus olhos, e são incapazes de perceber tamanha riqueza existente ao seu redor.
O cenário que se percebe hoje, após a aprovação do código florestal, é um aumento acelerado da fragmentação destas “terras encantadas” e consequentemente uma pressão muito maior sobre os “povos encantados” que as habitam. Muitas tribos de “fadas polinizadoras” não suportam tamanha invasão, acabando por se extinguirem. Outras, ainda resistem e tentam sobreviver se adaptando a uma vida restrita e isolada, restam corajosas e poucas outras, que migram para qualquer jardim das cidades que avançam sobre suas terras.
As “fadas polinizadoras” ainda dividem o que resta de seus ricos fragmentos de “terras encantadas” com as Apis Troll.  (Peço licença aqui para este batismo, pois os Trolls são os seres que amedrontam as criancinhas em todas as histórias de fadas, e nesta analogia, é a imagem que as Apis passam para o “reino brasiliensis” no qual são consideradas exóticas).
Assim, nossas “fadas polinizadoras”, já tão cerceadas e agredidas pelo entorno cinza das grandes metrópoles e extensos desertos verdes de capim ou de monoculturas que comprimem suas terras nativas, também lutam pela sobrevivência concorrendo com as Apis Troll, trazidas para o Brasil pelos “homens de negócio” que nos colonizaram.

E os meliponicultores? Ahhh os meliponicultores !!!! São os humanos que conseguem enxergar as “fadas polinizadoras”, entender suas necessidades e manter contato direto com elas. Nem todos são “santos”, tem os que aprontam, os rebeldes, os curiosos, os aproveitadores, os conscientes, mas de maneira quase unânime são grandes admiradores desse mundo mágico e tentam manter um esforço conjunto para proteger o reino das “terras encantadas” e seus habitantes, sejam eles “fadas polinizadoras” ou “Apis Troll”. Os meliponicultores têm consciência de que as “terras encantadas” precisam ser preservadas dos ataques dos “homens de negócios”.

Completando esta lúdica comparação, não podemos nos esquecer dos alquimistas. Devido a sua natureza mística conseguem enxergar e compreender as “fadas polinizadoras”, as Apis Troll e o mundo mágico onde esses seres moram. Estudam com lupa cada detalhe, diferenciam todas as tribos e tentam cientificar seus hábitos e costumes. Reconhecem a batalha Quixotesca travada pelos meliponicultores para defender esse mundo mágico, mas desaprovam-lhes algumas atitudes. Alguns confundem o meliponicultor com o meleiro, que é um “homem de negócio” disfarçado de meliponicultor. Os alquimistas vivem tentando provar aos “homens de negócios” a importância desses seres mágicos da polinização, mas suas pesquisas ainda não os convencem, e tal como os meliponicultores amargam uma negação por parte dos que, sem sensibilidade e visão, detém o poder.   

A maioria dos “homens de negócios” ironiza a postura dos meliponicultores e tentam de todo modo invadir esses resquícios de espaço em que a vida ainda pulula.  Derrubam os biomas para implantar pastos e monoculturas tirando o pouco que resta de refúgio. Alguns “homens de negócios” em um misto de fé e incredulidade, resolvem agradar aos meliponicultores, permitindo restrito trabalho com até 50 famílias de “fadas polinizadoras”. Mas, que não se tente ter maiores projetos, as exigências tornam-se insuperáveis, comparáveis ao que se exige das ApisTroll. Assim, cerceados com normas e leis inadequadas, eles desistem !!!
Resumindo, como os “homens de negócios” não conseguem enxergar as “fadas polinizadoras”, e tampouco seu mundo mágico de possibilidades, fazem Leis as escuras e não conseguem determinar quem serão os verdadeiros responsáveis para fiscalizar a aplicação destas mesmas Leis, pois os fiscais disponíveis também não conseguem enxergar as “fadas polinizadoras” e seu mundo mágico para poderem fiscalizar. Ao fim não se consegue distinguir o que as Leis permitem, sua razão de ser e a definição de responsabilidades.

Assim, para quem acredita, temos no Brasil uma solução viável para a crise da polinização mundial, temos como atender com eficiência plantações comerciais e nativas. Somos capazes de alimentar muitas das 9 bilhões de bocas que são esperadas para 2050, mantendo a sustentabilidade do negócio. Temos ao redor de 400 espécies de abelhas nativas, cada qual com suas características específicas e capazes de se adequar a trabalhos variados nas mais diversas lavouras comerciais. A capacidade de forrageamento vibrátil das abelhas nativas tornam-nas eficientes trabalhadoras do campo. Além disso, elas também produzem mel com características tanto de gourmet como medicinais, e sua ação na conservação e ampliação dos fragmentos bióticos é inquestionável.
Entretanto por mais que desenvolvamos técnicas de manejo dessas abelhas, por mais que se lute pela manutenção das áreas nativas, por mais que meliponicultores e pesquisadores unam suas forças em um objetivo comum, é imprescindível que surjam Leis que harmonizem a multifacetada capacidade desta novíssima cadeia produtora aos interesses ambientais, sociais e econômicos.
Enquanto a abelha nativa não for reconhecida legalmente como um recurso econômico e ao mesmo tempo fator de sustentabilidade, totalmente nacional, gerador de múltiplas riquezas sem comprometer a capacidade das gerações futuras, viveremos apenas no mundo dos contos de fadas. As abelhas nativas precisam de tratamento diferenciado e específico, eficiente e aplicável na prática. Enquanto não for esse rumo, a solução para vários problemas que afligem o mundo ficará sem uma perspectiva a curto prazo.

Medina
Rio de Janeiro, 31/08/2014