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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A ABELHA É NATIVA; O MEL É CLANDESTINO

Reproduzo aqui uma matéria do "O ESTADO DE S. PAULO" muito boa sobre a dificuldade dos meliponicultores.
(caderno Paladar de out/2011)
Boa Leitura 
Medina


As abelhas indígenas sem ferrão (Meliponíneas) são nativas do Brasil e sempre voaram por aí, de flor em flor, produzindo mel de ótima qualidade. 
Ops, mel não, porque o alimento produzido pelas abelhas indígenas não pode ser chamado de mel. 
A legislação vigente se baseia nos padrões físico-químicos do mel produzido por abelhas estrangeiras (Apis mellifera e Apis mellifera scutellata) – esse que está nas prateleiras de qualquer supermercado. 
Para ser “considerado” mel, o produto das abelhas indígenas deveria ter umidade máxima de 20% – mas chega a 35% – e, no mínimo, 65% de açúcares redutores (tem 50%). Por isso, o “mel” de jataís, mandaçaias, borás, uruçus e tubunas continua desconhecido. 
E clandestino.

By - Janaina Fidalgo 
Fosse uma questão de saúde, a produção de “mel” de abelhas indígenas sem ferrão (Meliponíneas) deveria ser incentivada, porque ele tem poder antibiótico maior que o da introduzida Apis mellifera. 
Se se tratasse de uma preocupação ambiental, as abelhas nativas seriam protegidas como importantes polinizadoras. 
Sendo o gosto o assunto, o mel ácido e menos doce de tiúbas, manduris e tubis tiraria o paladar do marasmo.
 Porque,então,apesar de tantos predicados: 
1) o mel de abelhas indígenas não está à venda em todo canto; 
2) tanta gente desconhece a existência de abelhas indígenas; 
3)há aspas abraçando a palavra mel neste texto? 
Culpa de um regulamento de 1952 que baseia nas característicasdomel deabelhasmelí- feras (Apis mellifera) os padrões de identidade e qualidade para classificar o produto. 
Como a composição do de abelhas indígenas é diferente – é mais líquido e tem menos açúcares, este não pode ser chamado de mel. 
Brasileiro – e clandestino. “Pura questão burocrática.
 México e Venezuela têm o mesmo problema”, diz Paulo Nogueira Neto, professor titular emérito da USP e especialista em abelhas indígenas sem ferrão. “Como há legislação sobre a criação, agora você pode criar e até vender ninhos. Só não pode comercializar. Por isso o mel das Meliponíneas é vendido clandestinamente.” (Até 2004 o manejo destas abelhas, espécies selvagens, era proibido.) 
Por se organizarem em colônias menores, as abelhas indígenas produzem menos mel que a Apis – e ele custa dez vezes mais. “Quem conhece, não se importa de pagar mais”, diz Marilda Cortopassi-Laurino, pesquisadora do Laboratório de Abelhas da USP.
Enquanto o Brasil não tem uma lei que respeite as características do mel das Meliponíneas, alguns produtores têm testado a desumidificação deste produto. No entanto, ainda não há pesquisas que comprovem se o procedimento não compromete o poder antibiótico e as qualidades gustativas. 
“Não tenho nada contra a desidratação em si, desde que seja assumida. O que não admito é obrigar a desidratar”, diz Roberto Smeraldi, da Oscip Amigos da Terra Amazônia Brasileira



Jataís herdadas e bem viajadas
By - Neide Rigo, nutricionista
Nossos amigos gaúchos resolveram se mudar para Barcelona e queriam porque queriam que as abelhas ficassem comigo. Não encontrei regulamentação sobre o transporte de animais que mencionasse abelhas nativas sem ferrão. Pensamos em várias possibilidades de locomoção, todas inviáveis.
Consultamos especialistas em meliponas e um deles nos disse que o melhor para elas seria deixá-las no escuro, em local fresco, que elas dormiriam e nem sentiriam a viagem. A maior prejudicada fui eu, que nunca havia viajado 18 horas de ônibus e sem a companhia de ida, que voltou de avião. 
Alguém tinha de ficar solto para tirar o outro da cadeia. A paranoia já tinha começado. 
E, embora as três caixinhas estivessem bem acomodadas no porta malas, fiquei o tempo todo apreensiva. E se fossem mais espertas do que supúnhamos, fizessem buraquinhos na caixa e fugissem? E se um certo zumzum-zum ficasse audível e o ônibus precisasse parar? Chamariam a polícia para vistoriar o bagageiro e eu seria presa? Crime ambiental, inafiançável. Tantas horas de paranoia, mas chegaram bem.
Na primeira semana estranharam a direção do vento, os caminhos que levavam às flores e os esconderijos do pólen. 
Furaram todos os botões de ipomea da vizinha, ignoraram as flores de manjericão e passaram batidas pelas flores de feijão.
Hoje, trabalhadeiras, polinizam tudo – o feijão mangalô produz como nunca. Ainda fazem zum-zum-zum e mel. 
E que mel! Ácido, fluido, floral. Alquimista nenhum sabe fazer. Por esse mel, faria tudo de novo. 




DEPOIMENTOS

Paulo de Abreu e Lima membro do MSc Food Culture
“Temos ingredientes incríveis, como a grumixama, as vieiras nativas da Ilha Grande, o azeite extravirgem de patauá, as pimentas baniwa da Amazônia, o arroz vermelho do Vale do Piancó e muitos mais. Acredito no agronegócio de qualidade, no trabalho com a cadeia completa, da semente ao produto final” 



Edinho Engel chef do Amado
“Precisamos de uma legislação para produtos artesanais alimentícios que seja ordenadora, mas não impeditiva. E estimule os produtores artesanais com descontos tributários e incentivos fiscais como forma de afirmação de nossa identidade cultural gastronômica. Na Bahia, muitos micro produtores vendem seus produtos em feiras livres ou barracas, mas se quisessem vendê-los de forma adequada não conseguiriam. 
Exemplos? Camarões secos, lambretas, siris, caranguejos, farinha de mandioca, goma, carimã, maturi, licuri, queijos de cabra e outros de massa crua”